quarta-feira, 6 de junho de 2012

João Goulart: 30 ano de silêncio.


História, Cinema e Memória.
Goulart, após 1964, foi execrado pela direita, desprezado pela esquerda e solenemente ignorado pela pesquisa universitária.
Jorge Ferreira.

Presidente João Goulart durante
cerimônia da posse

         Um dos melhores documentos para o pesquisador interessado em estudar João Goulart, e que durante muito tempo foi um dos únicos, é o filme Jango de Silvio Tendler. Nas palavras do narrador, o texto do jornalista Carlos Castello Branco traduz o sentimento de seu fim, “O Presidente João Goulart, sem condições de voltar ao Brasil, compelido a deixar a Argentina e aconselhado a não permanecer no Uruguai, morreu como peão perdido à procura de voltar ao seu galpão”.
         O filme Jango, do cineasta Silvio Tendler, foi produzido em 1984. É importante ressaltar que a conjuntura em que o filme é produzido, é marcada pela euforia provocada no processo de abertura política pós-ditadura militar. O filme não trata só de Jango. “O diretor, lembrou que João Goulart existiu e foi protagonista de um momento singular da história do país”. (FERREIRA:2008) Momento singular esse, em que o país viveu o início de seus piores e mais tristes dias de sua história. Jango, com o golpe parte para o exílio, primeiro no Uruguai e depois para Argentina, onde morreria sem poder voltar ao país de origem. A memória do ex-presidente havia sido apagada pela ditadura militar de 1964. Por que?
         O filme lembra que João Goulart participou da política do Rio Grande do Sul e em 1950 tornou-se deputado federal pelo PTB. Logo depois, o então presidente Getúlio Vargas o nomearia Ministro do Trabalho. Como narra no filme “Jango era o sangue novo que Getúlio queria para o trabalhismo”. Em suma, seu possível herdeiro.
         A constituição de 1946 tinha um dispositivo, em que se votava em Presidente, e separadamente para seu vice. Ou seja, era possível que um vice-presidente fosse eleito exatamente pelo principal partido de oposição ao do presidente. E por obra do destino, foi oque aconteceu nas eleições de 1961.
         A maioria da população escolheu o conservador udenista Jânio Quadros para presidência. E para vice o candidato do PTB, João Goulart. Com a renúncia inesperada de Jânio, Jango assume com uma plataforma de governo bastante diferente de seu antecessor. É importante lembrar que apesar do sucesso eleitoral do PTB nos anos 50, o partido vivia um momento de redefinição ideológica. “Em sua convenção de 1957, o PTB assumiu um projeto de cunho claramente reformista (...). No encerramento dos trabalhos, Goulart pronunciou um discurso radical e nacionalista a favor das reformas econômicas e sociais”.(FERREIRA: 2008) E completaria a historiadora Lucília de Almeida Neves Delgado “O PTB conheceu uma real guinada à esquerda da maioria de seus quadros”
         Quando na presidência, Jango, “fez o Brasil viver sua utopia”. A perspectiva de mudanças encheu um “trem de esperanças”, em um país de grandes desigualdades sociais. Para Silvio Tendler, Jango buscava a harmonia social, queria transformar a face perversa e selvagem do capitalismo, o queria mais humano. Seria possível? Democratização do uso da terra, voto do analfabeto, disciplina dos aluguéis, bases justas para o salário mínimo, seriam esses os nortes das Reformas de Base. “Jango, propunha o fim da fome e da miséria em um país em que a justiça sempre foi lado obscuro da democracia”.
         O então presidente Goulart recebia críticas, tanto da direita que o chamava de “inimigo do capitalismo” ou “fomentador da luta de classes”, quanto da esquerda que ansiava por reformas mais profundas. Em depoimento, Aldo Arantes, ex-presidente da UNE no período, afirma que a burguesia e as elites “não engoliam nem as limitadas reformas de base de Jango”. Aldo lembra também para a radicalização vivida, principalmente pela formação na direita de grupos paramilitares de extrema direita, como o M.A.C. Aldo ressalta que era um momento de maior participação democrática no país, em que se buscava resolver problemas de cunho estrutural, como Reforma Agrária e redistribuição de renda, por exemplo.
         De maneira inteligente, Silvio Tendler começa o filme mostrando a visita de João Goulart a China. Vale lembrar o contexto de guerra fria e o suposto alinhamento automático dos países com Washington. Como vice de JK e de Jânio, Jango mostraria para o mundo a peculiaridade da política externa independente brasileira. O então vice presidente seria o primeiro representante latino americano a romper o “gelo” da Guerra fria em sua visita a URSS.
         Certamente as imagens de Jango com Mao Tse Tung e Brejnev ficariam registradas na cabeça das elites e dos militares brasileiros. Jango, ao discursar no Congresso do Povo, mostrava ao mundo como queríamos nossa política externa: “Viva a amizade cada vez mais estreitam entre a China Popular e os Estados Unidos do Brasil, viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos!”.
         O historiado Jorge Ferreira, mostra que o “sentimento reformista e a expectativa de um país mais justo manifestaram-se também nas urnas. Nas eleições legislativas de 1962, o PTB passou de 66 para 116 deputados, reduzindo o numero de cadeiras dos partidos conservadores, enquanto o plebiscito que decidiu pela volta do sistema presidencialista, em janeiro de 1963, com o apoio de um amplo leque político, inclusive militar e empresarial, consagrou a liderança de Jango.” (FERREIRA: 2008).
         Entretanto, um grande esquema, sobretudo de comunicação político ideológico, era montado via IPES-IBAD. Mesmo assim, a propaganda não evitou a vitória do PTB em 62 e 63, porém estimulou e radicalizou a sociedade. O Presidente, sem o apoio do PSD, dos Estados Unidos, que como mostra no filme, negava empréstimos ao presidente, mas negociava com os governadores de oposição como Carlos Lacerda, aproximou-se dos setores mais progressistas do PTB. A tradução disso seria o comício da Central do Brasil.
         Para o historiador começaria aí uma nova história, em que Jango foi interpretado e lembrado somente pelo fracasso na mobilização social. “Nada de mobilização sindical, camponesa e popular em torno das reformas, nada de sociedade que apoiava o presidente em seu programa”. Para a esquerda revolucionária, o apoio do movimento sindical e dos trabalhadores seria “peleguismo”, “paternalismo”, ou até mesmo “desvio da linha justa e consciências desviadas dos seus “verdadeiros” e “reais” interesses” O Golpe que viria da esquerda, veio dos militares conservadores. Em fevereiro de 1962, Wanderley Guilherme dos Santos publicava o número 5 do “Cadernos do povo brasileiro”, com o título Quem dará o Golpe no Brasil – “Que as forças do povo disponham sua linha de frente da melhor forma possível e que lutem de modo mais encarniçado. Já está em marcha o golpe contra o povo; que se ponha em marcha, então, o povo contra o golpe, no Brasil” (SANTOS:1962).
         Mais do que um golpe militar, a queda de João Goulart representava a derrota de um projeto. Com ele perdeu a esquerda, os movimento sociais, urbanos e rurais. Perderam intelectuais como Darcy Ribeiro, Celso Furtado e San Thiago Dantas que trabalhavam diretamente em seu governo. Perderam todos aqueles que acreditavam que o sonho de um Brasil mais justo e igualitario estava caminhando para sua concretização.
         Em recente livro publicado no final de 2006, Oswaldo Munteal, Jacqueline Ventapane e Adriano de Freixo escrevem, “Nesse momento, o projeto desenvolvimentista iniciado três décadas antes estava buscando incorporar de fato os setores populares, dentro de uma perspectiva nacionalista e reformista, considerando essa participação popular uma condição sine qua non para o desenvolvimento do País.” (MUNTEAL:2006)
         Entretanto não podemos esquecer que parte significativa da população civil brasileira apoiou o Golpe de 1964. O exemplo mais marcante é a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Também não podemos esquecer a influencia dos meios de comunicação que expunham claramente sua insatisfação com o atual presidente. A resistência da esquerda, ou o suposto golpe planejado pelo governo se mostrou inexistente. João Goulart não queria uma guerra civil e um “banho de sangue”. ((MUNTEAL:2006)  Era o fim de um curto período democrático. O fim de um projeto de desenvolvimento, um projeto de nação. “O Golpe de 1964 acelerou a dependência, travou o desenvolvimento e desarticulou a sociedade civil numa proporção nunca antes vista na história do Brasil.
          O pensamento sobre o nosso país paralisou nas décadas seguintes. As vertentes críticas do modelo de desenvolvimento saíram politicamente derrotadas numa luta árdua pela autonomia do Brasil diante dos interesses internacionais. Os modelos de interpretação da Cepal com Prebish e Furtado, da teoria da dependência representada por Santos, Marini, Frank e Amin, assim como a tese de um desenvolvimento dependente e associado assinada por Faleto, Fernando Henrique e Weffort, assinalam um período em que o Brasil representava um problema para a Universidade. Havia, ainda que com limites, uma conexão entre os centros de pensamento e reflexão e a sociedade.” (MUNTEAL:2006).

Referências.
FERREIRA, Jorge (org.). Como as sociedades esquecem: Jango. In: a História vai ao cinema.Editora Record. 2008.
MUNTEAL Filho, Oswaldo (Org.) ; VENTAPANE, Jacqueline (Org.) ; FREIXO, Adriano de (Org.) . O Brasil de João Goulart: um projeto de Nação. Rio de Janeiro: Contraponto e Editora PUC-Rio, 2006. 252 p.
SANTOS, Wanderley Guilherme. Quem dará o Golpe no Brasil. 1962.

**************************
Texto extraído de Torres, Pedro Henrique. João Goulart – 30 ano de silêncio. Revista Agora. Nº1. 2007. (com adaptações).

Nenhum comentário:

Postar um comentário