terça-feira, 8 de maio de 2012

Texto de Apoio ao professor - Soldados da Borracha.

Ciclo da Borracha –– 1º Boom da Borracha –– 1ª imigração Nordestina.

O chamado “ciclo da borracha” é hoje um dos mais importantes episódios da história econômica da Amazônia e pode ser dividido em dois momentos:
·         1º Boom da Borracha – (1850-1914).
·         2º Boom da borracha –(1940-1945).
A borracha é uma goma elástica extraída da seringueira (Hevea Brasiliensis). Enquanto produto comercial, a borracha adquiriu importância a partir do desenvolvimento da atividade automobilística e acabou por promover uma grande expansão na colonização da Região Norte e grande impulso econômico e cultural às cidades de Belém e Manaus. A grande demanda no mercado internacional fez da Amazônia a grande exportadora da goma elástica, segundo afirma a historiadora Cristina Wolff:
“Até 1880, a Amazônia foi o único fornecedor, sendo suplantado então pelas plantações de seringueiras Asiáticas, que desencadearam a crise do preço da borracha”. [1]

O 1º Boom da Borracha chegava ao fim, mas as transformações no espaço Amazônico foram significativas, pois a intensificação das atividades econômicas relacionadas à extração da borracha gerou uma necessidade crescente de mão de obra para o trabalho extrativo e como  solução o governo estimulou a imigração de famílias nordestinas para a região, a fim de suprir essa necessidade.
Muitos Nordestinos se dirigiram para a região, alguns muito jovens, perseguindo o sonho de uma vida melhor. O término desse primeiro ciclo da borracha não só destruiu sonhos como fez aumentar na Amazônia e em toda a região Norte os problemas econômicos e sociais devido ao inchaço populacional provocado por essa primeira migração Nordestina.

Segunda Guerra Mundial –– Governo Vargas –– Pan-americanismo.
Em 1939, explode a segunda guerra mundial dividindo as nações do mundo e dispondo-as em alianças militares opostas: de um lado os Aliados (União Soviética, Estados Unidos, França e outros), de outro lado o Eixo (Alemanha, Itália, Japão).
No Brasil vivíamos a ditadura Varguista e o governo optou pela neutralidade durante um tempo, ainda que Vargas tenha se mostrado simpático ao regime nazifascista, como comprovam tanto a historiografia quanto os filmes que já assistimos (Olga e memórias do Cárcere), todos baseados em livros.
O ataque dos japoneses à Pearl Harbor forçou a entrada dos norte-americanos na guerra, em 7 de dezembro de 1941 e a ocupação da Malásia pelos japoneses deixou os EUA em uma situação critica já que os norte-americanos dependiam da borracha que a Malásia produzia como podemos perceber no filme “ Borracha para a vitória” em uma das falas do nordestino Hélio Pinto da Silva.
“Os ingleses levaram a semente aclimataram e plantaram na Malásia há muitos anos, e ai quando foi na segunda grande guerra, eles eram os maiores produtores da borracha. Os Japoneses eram aliados dos alemães e tomaram à Malásia, e os ingleses aí ficaram sem borracha e os aliados também. Aí recorreram ao Brasil que era o único produtor.”




[1] WOLFF, Cristina Scheibe. Mulheres da floresta: Uma História: Alto Juruá, Acre (1890-1945). São Paulo: Hucitec, 1999.

Diante disso, a saída era criar um mercado alternativo, assim o Brasil surgiu como uma opção para os Estados Unidos, por possuir um histórico de extração e áreas promissoras. O Brasil, ou melhor, a Amazônia, representava o Eldorado latino-americano, os norte-americanos acreditavam que a borracha brasileira os salvaria da crise, garantiria a estabilidade econômica e contribuiria para integrar toda a América Latina (pan-americanismo). Então, como fosse oportuno para o governo Vargas e interessante para os norte-americanos, o Brasil assinou com os EUA os acordos da borracha, que de acordo com o historiador Seth Garfield:
“eram estratégicos para os Estados Unidos, porque tinham como objetivo a oferta de aconselhamento técnico e de equipamentos para aumentar a produtividade de uma commodity que o país não produzia e da qual necessitava para atender suas necessidades básicas.” [i]
Para o Brasil a assinatura dos Acordos de Washington em março de 1942 foi providencial, pois os gastos para financiar a produção e a exportação da goma elástica ficaram sob-responsabilidade dos Estados Unidos, que também se comprometeram a subsidiar a migração de milhares de nordestinos pra compor a mão de obra necessária para o esforço de guerra. O governo Vargas garantia ainda o capital necessário para implantar a indústria siderúrgica no país e financiar a compra de material bélico para equipar o exército brasileiro, e resolvia ainda dois grandes problemas: a ocupação dos vazios geográficos e a questão da seca no Nordeste. O Brasil entrava definitivamente na Guerra ao lado dos Aliados.
A Ruber Reserve Company era a agencia norte-americana responsável pelo controle da produção e exportação da borracha e, segundo os Acordos de Washington, ela investiria 5 milhões de dólares na região Amazônica, enquanto o governo brasileiro investiria 10 milhões de cruzeiros. Vargas esperava controlar o capital norte-americano que entrava no país, mas os EUA detiveram o controle mesmo diante das reações do governo Vargas.
2º Boom da Borracha –– 2ª Migração Nordestina –– Soldados da Borracha.
Trocando a enxada pela faca de seringa, e a aridez do sertão pela floresta estima-se que cerca de 100.000 nordestinos vieram para a Amazônia, seduzidos por uma propaganda extravagante, expulsos pelos flagelos da seca ou recrutados sob pressão do exército. Podemos perceber como se dava a vinda para a Amazônia a partir da fala de alguns desses nordestinos que vieram mobilizados por alguns desses motivos.
Lupércio Freire Maia – Morada Nova (CE):

Eu tinha já de os 17 pra os 18 anos. Aí eu tava mais o papai, aí chegou um cumpade do papai e foi e disse: Cumpade, cê tem cuidado que o americano tá pegando toda essa rapaziadinha e tá levando tudo. Aí foi eu tava alimpando um feijão de corda mais o papai, aí ele disse: Ei, vem cá. Aí papai foi e soltou a enxada e eu soltei e vim. –– suba aqui no caminhão. Papai disse: Não, ele num vai agora não, vai depois. Não aqui num tem negócio de depois não, vai agora.” 
Alcindo dos Santos – Petrolina (CE)

“Me alistei em Petrolina à 3 horas da tarde, quem me alistou foi um capitão do exército 7º Batalhão de Engenharia, dizendo ele que eu tinha que vim pra qui, pra Amazônia ou antonce ia pros campo de batalha, na época da II Guerra Mundial. Preferi vir pra Amazona. Não vim com boa vontade, que deixei a minha velha mãe, me pediu quando tava os alistamento que pelo leite que eu mamei nos peito dela, eu não viesse pra Amazona.” 
Hélio Pinto Vieira – Canindé (CE)

“Meu pai era prefeito né, e eu trabalhava lá numa casa comercial da nossa família, não tinha necessidade de nada, que nóis tinha propriedade, fazenda, tudo. Fui por espírito de patriotismo, como voluntário.”
Vivencia Bezerra da Costa – Alto Santo (CE)

“Chegou lá no Alto Santo uma lista pros rapaz de maior vim tudo pa Fortaleza pela SEMTA né. A SEMTA num é que nem migração. Migração que nóis viemo é família e a SEMTA é só rapaz né, fica naquele pouso. Aí minha mãe foi e começou a chorar, aí disse: Chico Antonio, meu filho nunca pegou numa arma, meu filho vai morrer issassini, e vão levar meu filho pra guerra, eu também num fico mais aqui, se você quiser também ir pro Acre, pro Amazonas, vum borá que eu também num fico mais aqui não.
O Nordeste vivenciou uma seca voraz nos anos de 1942e 1943, fato esse que fica evidente no filme na fala desses dois personagens:
Fco. Jonas Bandeira – Natural de Morada Nova (CE)

“Em 1942, eu plantei um terreno que eu tinha preparado lá, plantei 13 quilos e meio de caroço de algodão bem regadorinho, limpei, jeitei tudo com maior sacrifício, tanto trabalho, apanhei 6 quilos de algodão. Não houve inverno em 42. Aí eu disse assim: eu nunca mais eu planto no Ceará. Já tinha esse desejo e de pra isso, quando surgiu essa história do soldado da borracha eu digo é agora.”
José Pio de Lima – Natural de Limoeiro do Norte (CE)
1940 um grande inverno, aí veio 41 e 2 e 3
foi ano de pouca chuva.

Jean Pierre Chabloz foi um pintor e desenhista suíço, que foi arregimentado pelo governo Vargas para trabalhar na campanha da borracha. Ele fazia os cartazes que promoviam a Amazônia, que a mostravam como um paraíso, um lugar para fazer fortuna. Foi esse trabalho de propaganda, podemos dizer que “enganosa”, que convenceu milhares de nordestinos a deixar sua terra para vim trabalhar nos seringais da Amazônia. Esses nordestinos vinham recrutados para trabalhar nos seringais como “soldados”, pois a borracha produzida por eles iria garantir aos Aliados a vitória na guerra.



A campanha do governo Vargas era forte e sedutora, mas a realidade nos seringais era bem diferente daquela que os cartazes mostravam. As condições de viagem eram bastante desconfortáveis, vinham em caminhões lotados do Ceará ao Maranhão, daí para os porões de navios até chegarem ao Pará. Do porto de Belém, no Pará seguiam rumo aos seringais. Então, eles deparavam, com a pior etapa da viagem. A vida nos seringais era dura e solitária, as seringas eram muito distantes, o que dificultava uma produção elevada. O seringueiro já chegava endividado porque tinha que comprar do patrão ou seringalistas as ferramentas que necessitava para trabalhar e as dividas só aumentavam: comida, roupa, arma, remédio, etc.
Tudo era vendido a preços altíssimos dentro do “sistema de aviamento”, ou melhor, de endividamento, para que as dívidas se tornassem uma prisão para o seringueiro, algemas invisíveis para um exército de soldados enganados. Voltar para casa se tornou um sonho distante, pois segundo o seringueiro Raimundo Nonato de Lima, natural de Jaguaruana (CE), o contrato com a SEMTA esclarecia:
 “No contrato eu me lembro bem de um item: que tinha, que dizia: que ninguém podia abandonar o seringal com débito...O seringalista tinha aquela segurança né, segurança que o cara podia morrer devendo mas sair devendo não podia, que se tinha que morrer não tinha que pagar, pronto morreu acabou”
O SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia) era um órgão federal criado pelo governo e financiado pelo governo Norte- Americana. O SEMTA era responsável pela imigração para a Amazônia, fazia o recrutamento e fornecia aos recrutas o contrato de encaminhamento para ser assinado por eles. Os soldados escolhiam entre ir pros seringais ou lutar na guerra.
Os soldados recrutados pelo SEMTA vinham sozinhos, deixando para trás suas famílias, e de acordo com o contrato de encaminhamento podiam optar pela assistência que o SEMTA oferecia às famílias, o que muitos fizeram. Segundo Verônica Secreto:
“Muitas mulheres e filhos desses trabalhadores permaneceram nos seus lugares de origem ou nas hospedarias improvisadas, esperando o momento para empreender, também elas, viagem que as levaria ao encontro de seus maridos, ou aguardando o retorno destes ao termo de dois anos de ingresso no seringal.” [i] 
A urgência da guerra fez com que a ideia de povoamento do governo Vargas fosse substituída pelo de recrutamentos de homens sozinhos para produção da borracha necessária ao esforço de guerra. Embora existisse um contrato que pretendia evitar os abusos cometidos durante o 1º Boom da borracha, não existiu fiscalização efetiva que pudesse garantir aos soldados da borracha os direitos implícitos nesse contrato.
Os únicos fiscais foram os próprios seringueiros, suas mulheres e familiares. O próprio SEMTA que havia se responsabilizado por fornecer assistência dos familiares dos recrutas, suspendeu esse auxilio em junho de 1944. As famílias que estavam em alojamentos e hospedarias recebiam alimentação e assistência médica, porém de repente essas famílias ficaram desassistidas.
Uma série de cartas escritas pelas mulheres que viviam nos alojamentos, e que serviram de fonte para a historiadora Verônica Secreto, comprovam que a vida no alojamento era difícil, pois as famílias estavam sujeitas a restrições, proibições e a trabalhos pesados.
Diante de tantas injustiças essas mulheres escreveram para reclamar, mas não aos seus maridos e sim ao próprio Presidente Getúlio Vargas. Apresentando-se como esposas, mães, irmãs e até noivas dos soldados da borracha elas reclamavam seus direitos e exigiam reparações.
Soldados da Borracha – História e Memória – Tempo presente.
A guerra chegou ao fim. Os soldados não voltaram para casa, muitos morreram na floresta vítimas de doenças, animais ferozes e fomes e trabalho demasiado pesado. Flagelados, migrantes, enganados e cativos, o exército da selva foi abandonado pelo governo.
A guerra travada pelos soldados não terminou, os sobreviventes relegados ao esquecimento por parte do governo e destituído de seus direitos têm lutado para serem reconhecidos pelo que realmente foram e se consideraram: soldados.
Esses homens que nem se quer foram reconhecidos como heróis nacionais tiveram, segundo Maria Silva, “seus corpos esquadrinhados e mutilados seus desejos”, serviram a pátria a favor dos Aliados e, no entanto, constituem uma legião de esquecidos, ficaram pois à margem da história.
Muito do que tem se escrito sobre esses homens, pretende rememorar seus feitos, sua bravura, suas lutas e as injustiças que sofreram e dar visibilidade a esses sujeitos anônimos para grande maioria de brasileiros.
Vale ressaltar que a constituição Federal de 1988 garantiu a aposentadoria de dois salários mínimos ao “soldado da borracha” como beneficio pelos trabalhos prestados à pátria. Nem todos usufruem desse benefício devido à dificuldade em provar que serviu como soldado na Amazônia. Muitos morreram sem que o benefício houvesse sido aprovado e poucos que ainda estão vivos ainda lutam para recebê-lo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
GOMES, Ângela de Castro "A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro". In: Lúcia Lippi de Oliveira, Mônica Pimenta Velloso e Ângela de Castro Gomes. Estado Novo: Ideologia e poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. No tempo dos seringais: o cotidiano e a sociedade da borracha. São Paulo: Atual, 1997.
PRADO, Maria Lígia e CAPELATO, Maria Helena Rolim. “A borracha na economia brasileira da primeira república” In: Boris Fausto (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo, 1977, Vol. VIII.
Fontes, Edilza. A Batalha da Borracha, a Imigração Nordestina e o Seringueiro: A relação história e natureza. In: NEVES, Fernando Arthur de Freitas e LIMA, Maria Roseane Pinto (Orgs.). Faces da História da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2006.
SECRETO, Maria Verônica. Soldados da Borracha: Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas. Fundação Perseu Abramo, 2007.
Fontes, Edilza. A Batalha da Borracha. In: Contando a História do Pará, Volume II: Os conflitos e os grandes projetos na Amazônia contemporânea (Século XX), Belém – Organizadora Edilza Joana Oliveira Fontes. Belém: E.Motion, 2002. pp.47-69.
Secreto, Maria Verônica. Fúria epistolar: as cartas das mulheres dos soldados da borracha – uma interpretação sobre o significado da assistência às famílias. Revista Esboços. PPG História, UFSC, v.12, nº14, pp. 171-190.


[i] Secreto, Maria Verônica. Fúria epistolar: as cartas das mulheres dos soldados da borracha – uma interpretação sobre o significado da assistência às famílias. Revista Esboços. PPG História, UFSC, v.12, nº14, pp. 171-190.














[i] Garfield, Seth. A Amazônia no imaginário norte-americano em tempo de guerra. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.29, nº57, p.19-65, 2009.


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