terça-feira, 18 de dezembro de 2012


Adeus, Lênin - resenha





Em 1989, pouco antes da queda do muro de Berlim, a Sra. Kerner (Katrin Sass) passa mal, entra em coma e fica desacordada durante os dias que marcaram o triunfo do regime capitalista. Quando ela desperta, em meados de 1990, sua cidade, Berlim Oriental, está sensivelmente modificada. Seu filho Alexander (Daniel Brühl), temendo que a excitação causada pelas drásticas mudanças possa lhe prejudicar a saúde, decide esconder-lhe os acontecimentos. Enquanto a Sra. Kerner permanece acamada, Alex não tem muitos problemas, mas quando ela deseja assistir à televisão ele precisa contar com a ajuda de um amigo diretor de vídeos.
Adeus, Lênin! marca o ressurgimento do cinema comercial alemão após anos de um período glacial de pouco público e recepção fria dos críticos. O filme de Wolfgang Becker alcançou a impressionante marca de 6 milhões de espectadores e amealhou boas críticas de jornalistas, especializados ou não, e de setores da esquerda ou da direita. No Brasil, por exemplo, sites como do PSTU (parte cultural) e da Revista Veja fazem rasgados elogios ao filme, cada qual com seus motivos. O problema de Adeus, Lênin talvez resida neste consenso. Um filme político (com boas intenções?) que recebe boas críticas de setores tão distintos é motivo de preocupação com o discurso que adota ou com a inocência de quem o recebeu.
A fábula ostálgica [leste+nostalgia] agridoce encantou a Alemanha e mundo. Apesar do “grande” tema histórico que suscita (a Reunificação!) e das láureas que recebeu, o filme adota estratégias narrativas e estéticas convencionais. Logo após a reunificação, a ostálgia ajudou a colocar na tela uma espécie socialismo lúdico que existiria na Alemanha Oriental (Go, Trabi, Go! (1992) é um exemplo)
Em oposição a esse socialismo apareceu em 2006 A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck, que aponta para um socialismo bem real e outro grande tema histórico (a Stasi). O cineasta alemão Wim Wenders escreveu em 1992, no Le Monde, que a considera a reunificação como “erro de montagem” e “que não teria sido feita pelo autor, mas pelo estúdio – todo o material bom teria sido abandonado no chão da sala de montagem”. A reunificação “não foi feita com material humano, a história e a linguagem das pessoas que haviam brigado tanto por isso, mas de acordo com uma outra lógica, a dos políticos da Alemanha Ocidental, que precisavam colocar a reunificação na tela muito rápido”. Wim Wenders chegou a um ponto que ajuda na análise de Adeus, Lênin! : a película não tem como objetivo principal fazer críticas à esquerda ou à direita, apesar de fazê-las, mas sim participar de um projeto de normalização das relações leste-oeste na Alemanha reunificada e de uma recepção sem tantos preconceitos da germaneidade (vide que o slogan da Copa de 2006 era “Time to make friends”). Isso por si só explica a grande aceitação do filme em diversos meios e o sucesso alcançado desde o lançamento.

Apesar desse adendo Adeus, Lênin! tem sua importância e seus méritos: consegue mostrar com excelência a marcha de um Estado sobre outro e como a Alemanha Oriental virou rapidamente peça de museu com todos os seus pontos diversos, transformando a RDA em uma espécie de zoológico ideológico. A cena que Lênin passa de helicóptero, dando o seu adeus, é interessante: nessa cena nos podemos tirar conclusões da rápida mudança da antiga pátria socialista ou como (dependendo da visão da pessoa) os comunistas eram iconófilos em relação aos seus líderes intelectuais. Adeus, Lênin! mostra que após a euforia da reunificação a Alemanha encontrou problemas para se acomodar a nova realidade. O filme ressalta valores familiares e a relação de proximidade entre as pessoas, que como já foi dito está em um contexto de melhor recepção do ser alemão no mundo. O filme é, sobretudo, bem filmado, realizado e atuado, o que muito contribuiu para o sucesso da película.

Ficha Técnica

Título Original: Good Bye, Lenin! (Alemanha, 2003)
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 118 minutos
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Wolfgang Becker
Roteiro: Wolfgang Becker e Bernd Lichtenberg.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Batalha de Argel (Ficha Técnica)


Sobre o diretor: Gillo Pontecorvo era um jovem tenista playboy que viajava a Europa disputando torneios internacionais. Foi depois de um desses, em Paris, que conheceu e se aproximou de gente como Picasso, Stravinsky e Sartre. Pouco tempo depois, se tornaria um dos maiores diretores do cinema político da nossa história. Graças à sua noção de movimentação adquirida no tênis de competição ele conseguiu dar velocidade às cenas e criou uma obra de referência para o cinema.

A Batalha de Argel, O filme ficou proibido na França até 1971 e no Brasil durante a Ditadura Militar. Recebeu 3 indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro Original. Ganhou o Leão de Ouro e o prêmio Fipresci no Festival de Veneza de 1966.

Título: A Batalha de Argel (La Bataille d'Alger).
Ano: 1966.
Diretor: Gillo Pontecorvo.
Produção: Itália, Argélia.
Tema: Independência argelina.


A Batalha de Argel (Trailer)

                         Fonte: Submarino.
A Batalha de Argel (1966) - Resenha




Direção de Gillo Pontecorvo. Produção: Casbah Films,Argel. Roteiro: Franco Solinas. 
Intérpretes: Brahim Haggiag, Jean Martin, Saadi Tafet e outros. Estúdios Lumiére. 1965. 
Duração: 121 min. 
por  Adson Rodrigo Silva 

Obra-prima do cinema politizado dos anos 1960, sem exageros didáticos ou visões  superficiais do processo histórico, o diretor italiano Gillo Potecorvo conseguiu fazer um filme  ultra-realista sem abrir mão da emoção e da aventura. Diretor de  Queimada e também  Firenze II, no filme “A batalha de Argel” trabalha algo que vem  desenvolvendo desde suas  primeiras obras, que é a denúncia do colonialismo por países europeus. Pontecorvo, nascido  em Pisa (norte da Itália) em 1919, emigrou para Paris no período da ditadura de Mussolini. 
Nessa cidade atuou contrariamente ao poder, o que culminando com seu exílio.  O exílio, ao  invés de afastá-lo dos pensamentos críticos da ditadura, o aproximou ainda mais da resistência italiana, como podemos perceber através da sua filiação com o Partido Comunista  em 1941, nele militando por muitos anos.  Pontecorvo é um homem bastante envolvido com a política, conforme apresentado  no CD 2 da coletânea, e suas obras recebem influencias de importantes momentos vividos  pelo diretor nos comícios que realizou contra os fascistas e os alemães, chamando a  população para a insurreição. Esse período de militância vivenciado por Pontecorvo,  momento em que ele liderava a oposição ao fascismo em Milão, à frente da Juventude  Comunista, lutando durante a II Guerra Mundial, marca a obra aqui retratada,  principalmente quando vemos que essas lutas eram feitas na clandestinidade. Para o autor, a  organização secreta permitia a sobrevivência ao poderio superior do adversário e da polícia.  Naturalmente, o que aprendeu em Milão, Genova ou nas montanhas preencheu o roteiro de  “A batalha de Argel”. 
O filme de Gillo Pontecorvo se passa em  Argel, capital da Argélia, então colônia  francesa, durante o processo de revolta contra a dominação europeia no final dos anos 1950.  A ação se transpõe entre 1954 a 1957 e o diretor, que com maestria mistura ficção e fatos  reais, procura tratar com veracidade a resistência argeliana (mediada pela personagem Ali  La Pointe) e a violência do exército francês (Tratada na personagem Coronel Mathieu),  obtendo, como resultado, um “quase” documentário, intenso, emocionante, que mantém o  espectador em suspense do início ao final do filme.  
O enredo está inserido no contexto das lutas de independência no período da  descolonização da África e da Ásia, que se desenvolveram no período do pós-guerra. O ano é  1957, temos inicialmente o que parece ser um prisioneiro que acaba de ser “interrogado”, recebendo ordens de membros do exército e confirmando um endereço. Em seguida temos a  invasão desses militares a uma residência e o cerco a um guerrilheiro específico: Ali La Pointe. Ele é convidado a se render, já que todos seus companheiros  foram presos ou  mortos. Assim, percebemos que o filme começa no fim do enredo. 
O filme se desenvolve então em um grande flashback, voltamos para o ano de 1954,  e Argel é mostrada a partir dos seus contrastes de colônia: de um lado o bairro europeu, do  outro o bairro muçulmano, a Casbah. Ao mesmo tempo em que temos em OFF os termos da  FLN – Frente de Libertação Nacional –, comunicando a “luta dirigida contra o colonialismo”,  de acordo com o islã e o respeito às diferenças étnicas e religiosas, temos a captura de Ali La Pointe, não ainda como criminoso político, mas como charlatão, golpista e delinquente  juvenil. 
Na cadeia ocorre o contato de Ali com criminosos políticos, e o diretor revela sua  genialidade na bela tomada da execução na guilhotina de um desses presos por motivos  políticos, gritando a grandeza de Alá e que a Argélia vive! Liberto, o protagonista entra para  os quadros da FNL, passando antes por um perigoso e frustrante teste para comprovar sua  fidelidade à causa. 
Temos em seguida um novo corte temporal, agora o ano é 1956. Novamente temos  o recurso do  OFF ressaltando a propaganda contra a dominação, responsabilizando os  franceses não só por essa dominação e opressão mas também pelo flagelo evícios (como o  alcoolismo e prostituição dos argelianos). Seguindo as ordens muçulmanas, a FLN passa a  proibir o uso do álcool e de drogas, a participação em jogos e a prostituição. Já que é  necessário “limpar” Casbah, seu principal agente se torna Ali La Pointe. Essa passagem  elucida que além da questão política, decorrente da colonização, temos uma questão  religiosa e mesmo sociológica, onde a colonização  reforça as divergências culturais entre os  dominantes e os dominados. Percebemos também o caráter que a religião  assume como  forma de resistência e de luta. Tema  atual, pois nos remete para a recente guerra infligida contra o terror pelo governo estadunidense nesses últimos anos, revelando o conflito entre  as culturas e ocidentais e islâmica. 
Vemos que o caráter da resistência e da luta contra a dominação francesa se dá em  amplos aspectos do cotidiano desses argelinos. Temos o casamento entre dois jovens muçulmanos realizado às escondidas e por membros da FLN, mostrando que além da luta armada há uma forte questão civil, que de certa maneira já está presente no combate ao consumo das drogas e do álcool. 
Temos também o aumento da violência pela FLN, atentados contra policiais e delegacias servem para mostrar a força e a organização do movimento urbano, pois muitos ataques ocorrem de forma ordenada em pontos espalhados da cidade. O aumento dos ataques contra as autoridades as levam  a reagir com mais policiamento, fechamento de ruas, isolamento dos bairros árabes, controlando entrada e saída de seus habitantes, toques de recolher e, inclusive, controle de remédios e do atendimento em hospitais e ambulatórios de ferimentos à bala. 
A violência direta não vai partir apenas de um dos lados, membros da polícia vão promover um ataque à bomba em uma viela do bairro árabe, Casbah, o que provoca uma revolta por parte dos moradores que saem imediatamente às ruas, mas a FLN intervém e se compromete em vingar o ataque. Temos a partir de então, uma nova onda de atentados, agora contra locais públicos nos bairros europeus, inclusive com a utilização de mulheres como guerrilheiras. É inquietante a seqüência que envolve os três ataques, onde o diretor optou por mostrar todos os aspectos desde a preparação das mulheres, passando pelas instruções e preparação das bombas, até o desfecho final de explosão. 
Passando para o ano seguinte, 1957, temos uma maior repressão ao movimento armado. O governo convoca os pára-quedistas franceses para reprimir os insurgentes. Liderados pelo ex-membro da resistência francesa durante a segunda guerra, o coronel Mathieu. Esses militares irão se utilizar de inteligência investigativa, do “interrogatório”, com direito a sessões de tortura, e vão ocupar Casbah, considerando que estão assim em guerra contra os separatistas. O auge dos conflitos se dará durante a convocação por parte da FLN de uma greve geral de 6 dias, aproveitando o momento em que a ONU discutirá a questão  argeliana. As forças integracionistas vão obrigar que estes grevistas saiam para as ruas,  aprisionando alguns habitantes e utilizando dos seus métodos para descobrir os lideres  da FLN. Durante esse período temos um interessante uso da imprensa como forma de  legitimar a repressão e criminalizar o movimento de independência, com o papel que  tem nas críticas aos separatistas. 
Com a tortura e prisões de alguns membros da FLN, ela  vai sendo desmantelada, a ONU opta por não intervir diretamente, e a greve não obtém o resultado almejado devido às fortes repressões que os integracionistas fazem na ocupação de Casbah.  A própria FLN diverge quanto a tática a ser adotada, mas optam por promover mais atentados para mostrar que estão ainda na ativa. Mesmo com a morte de civis e inocentes de ambos os lados, os conflitos continuam, muitas vezes envolvidos não só pelas questões políticas, mas também por questões étnicas e religiosas. Pontecorvo capta bem  essa questão, pois, em 
diversas passagens do filme, como no espaçamento de um garoto árabe vendedor de doces e na delação da população de um bairro europeu à um mendigo, vemos que há mais envolvido do que meramente os aspectos políticos do conflito. 
Com a prisão de lideres do movimento os colonizadores tem aquilo que queriam, a esperança de que a segurança será restabelecida, mais uma vez temos o uso da imprensa como arma, ao se espetacularizar a prisão do líder intelectual do movimento Lurbi Ben M’Hioli. Temos ainda mais seqüências de ação pelas vielas de Casbah, em emocionantes perseguições dos militares aos insurgentes e lideres que vêem seus disfarces e esconderijos fracassarem, capitulando um a um, até chegarmos no fim de todo o flashback, retornando ao inicio da película e ao fim da história: temos Ali La Pointe, escondido junto a uma criança, uma mulher e um homem em um fundo falso na parede, cercados pelas tropas de Mathieu. 
A obra é bastante elucidativa e envolve um tema polêmico, já que mostra a forma da luta e as táticas de resistência pela independência Argelina, tanto no lado dos dominados como no dos dominadores. Pontecorvo foi brilhante ao destruir o maniqueísmo e pieguice que geralmente envolve os romances  sobre esses temas. Esse aspecto torna-se evidente no belo diálogo entre o Coronel Mathieu e um dos líderes da FLN. Claro que temos o uso de um fundo triste e de seqüências com um tempo mais lento quanto exibe-se as cenas de tortura, de espancamento e da explosão das bombas nos atentados, mas isso é necessário para que percebamos a dramaticidade das cenas.                                           
Por fim, temos novos recortes temporais, cenas com os grandes distúrbios e tensões entre as autoridades e a população de Argel no ano de 1960, que uníssonas, mesmo sob ataque de cassetetes e até mesmo armas de fogo, lutam e exigem a independência nas ruas e avenidas de Argel, conquistada em julho de 1962. Acreditamos que o objetivo de Potencorvo em sua narrativa tenha sido  mostrar como se constrói um processo de luta. Ele narra à formação da FLN, o seu auge e o seu final, mas deixa bem claro que quem tem o poder de concretizar as profundas transformações, no caso a Independência da Argélia, é a população, unida e mobilizada. A Batalha de Argel ganhou o Leão de Ouro e o prêmio Fipresci (da Federação Internacional dos Críticos) no festival de Veneza em 1966. O filme foi banido na França até 1971 e o primeiro cinema que o exibiu sofreu atentado, também foi proibido no Brasil durante o período da Ditadura Militar. Afinal, Potencorvo fez desse filme uma cartilha sobre a ação política em forma de guerrilha. 
Em suma, podemos, a partir do filme, refletir e entender essa Argélia que ainda hoje é um país cheio de conflitos, e que sua guerra interna é antiga, mais do que as confusões que teve com o país colonizador, a França. A batalha de Argel, documentada em uma película de Gillo Pontecorvo, é uma maravilhosa representação da batalha entre colonizador e colonizadoe dos conflitos deste povo, que até o presente vive uma guerra civil que marca o país